Quem nunca usou, com certeza conhece alguém que não vive sem aquelas gotinhas milagrosas que desentopem o nariz em segundos.
O problema é que o que parece ser um alívio rápido pode se transformar num ciclo vicioso perigoso para a saúde.
Sou Dra. Andréa Rodrigues, médica otorrinolaringologista, e hoje quero te contar como ajudei um paciente a se livrar do vício em descongestionante nasal em menos de 7 dias.
Esse é um relato real e pode servir de alerta (ou solução) para muita gente.
O caso do paciente que não largava as gotinhas
Esse paciente usava descongestionante nasal há anos, todos os dias. Ele andava com frascos espalhados por todos os cantos: no carro, no trabalho, em casa e, claro, sempre no bolso.
Só que um dia, após um episódio de mal-estar e palpitação (batimentos cardíacos acelerados), ele decidiu procurar ajuda. Durante a avaliação cardiológica, foi orientado a parar imediatamente com o uso do descongestionante.
O susto foi o empurrão que ele precisava.
Por que o descongestionante nasal vicia?
Os descongestionantes causam um efeito chamado vasoconstrição: eles reduzem o calibre dos vasos sanguíneos dentro do nariz. Isso faz o inchaço diminuir rapidamente, aliviando a obstrução nasal.
Mas esse alívio é temporário.
Logo depois, os vasos voltam a dilatar e o nariz entope ainda mais, esse é o famoso efeito rebote.
Resultado?
A pessoa precisa usar cada vez mais e mais vezes ao dia. Além disso, o uso prolongado pode causar:
- Rinite medicamentosa (nariz constantemente entupido pelo próprio medicamento)
- Perfuração do septo nasal
- Sangramentos nasais
- Efeitos no corpo todo, como aumento da pressão arterial e risco cardiovascular²
O primeiro passo: descobrir a causa da obstrução
Nem todo nariz entupido é igual.
Por isso, é fundamental avaliar as estruturas nasais:
- Seios da face
- Septo nasal
- Cornetos nasais
O exame de videoendoscopia nasal é essencial nesse processo e foi o que fiz com esse paciente.
O que encontramos?
✔️ Cornetos nasais extremamente inchados.
✔️ Nenhuma alteração estrutural que exigisse cirurgia.
Por que os cornetos incham?
Os cornetos podem aumentar de tamanho por diversos motivos, como:
- Infecções virais (gripes e resfriados)
- Sinusites
- Rinite alérgica³
E esse paciente tinha sintomas clássicos de rinite alérgica: espirros, coceira, coriza e nariz sempre entupido.
O teste alérgico confirmou: forte alergia a ácaros (poeira doméstica).
Além do uso crônico do descongestionante, a causa raiz era uma alergia totalmente descontrolada.
O plano para largar o descongestionante nasal em 7 dias
Estratégia combinada:
1️⃣ Spray nasal com corticoide:
Usei uma dose inicial mais alta para controlar a inflamação dos cornetos. Importante: o spray não tem efeito imediato, por isso o paciente precisa entender que os benefícios aparecem após alguns dias.⁴
2️⃣ Anti-histamínico + descongestionante oral:
Durante os primeiros 5 dias, incluí um anti-alérgico associado a descongestionante oral para aliviar mais rápido, sem precisar das gotinhas no nariz.
3️⃣ Diluição do descongestionante nasal:
Nos casos de muita ansiedade para abandonar o uso, orientei diluir o descongestionante com soro fisiológico (meio a meio) para reduzir o efeito rebote e facilitar a transição.
4️⃣ Lavagem nasal e higiene ambiental:
Incluí lavagem nasal diária e reforçamos o controle da poeira e dos ácaros no ambiente para diminuir as crises alérgicas.
E o resultado?
Em 5 dias, ele já não sentia mais necessidade das gotinhas.
Fomos ajustando o tratamento e, com o tempo, ele ficou apenas com o uso do spray de corticoide em dose habitual.
E depois? Vai ter que usar spray para sempre?
Não necessariamente.
A chave para evitar novas crises é controlar a alergia.
E foi exatamente o que fizemos: iniciamos a imunoterapia sublingual (a famosa vacina para rinite alérgica).
Esse é o tratamento que atua diretamente na causa da rinite, ajudando a reduzir a reação alérgica a longo prazo.⁵
Assim, diminuímos muito a chance de o nariz voltar a entupir e a necessidade de remédios constantes.
Conclusão
✅ O uso crônico de descongestionantes nasais tem solução.
✅ É possível largar o vício com o tratamento certo.
✅ A causa precisa ser investigada, tratada e acompanhada.
Se você usa ou conhece alguém que não vive sem as gotinhas, compartilhe esse conteúdo.
Respirar bem é possível e pode ser mais simples do que parece.
Referências:
- Eccles R. “Substitution of topical decongestants by nasal corticosteroids in rhinitis medicamentosa.” Clinical Otolaryngology, 2000.
- Chua JH, et al. “Nasal decongestant overuse: a review of the evidence and its clinical implications.” Therapeutics and Clinical Risk Management, 2019.
- Seidman MD, et al. “Clinical practice guideline: Allergic rhinitis.” Otolaryngology–Head and Neck Surgery, 2015.
- Wallace DV, et al. “The diagnosis and management of rhinitis: an updated practice parameter.” Journal of Allergy and Clinical Immunology, 2008.
- Canonica GW, et al. “Sublingual immunotherapy: World Allergy Organization position paper 2013 update.” World Allergy Organization Journal, 2014.