Dor de garganta constante, dificuldade para engolir, sensação de incômodo que nunca vai embora… Isso pode parecer o roteiro de quem vive com infecções repetidas, mas nem sempre a causa é aquela que todos pensam.
Foi exatamente o que aconteceu com um paciente que atendi no consultório — e que me inspirou a escrever este texto para alertar sobre diagnósticos equivocados que podem custar anos de sofrimento desnecessário.
O caso: anos tratando o que parecia ser o vilão
Esse paciente sofria há anos com inflamações recorrentes de garganta. Já estava praticamente conformado com a ideia de que esse desconforto seria para sempre. Ele acreditava que o grande culpado era o refluxo gastroesofágico, afinal, esse era o diagnóstico que carregava há muito tempo.
Sim, o refluxo pode ser, de fato, uma causa importante de irritação crônica na garganta. A literatura médica reconhece que o refluxo laringofaríngeo pode provocar sintomas persistentes como pigarro, tosse seca e sensação de garganta inflamada, mesmo sem os clássicos sintomas digestivos como azia.
Mas aqui vem o ponto chave: nem sempre o refluxo é o único ou verdadeiro vilão.
Quando investigamos além da superfície
Durante a consulta, percebi que algo não batia. Mesmo com o tratamento correto para o refluxo, as crises continuavam. Resolvi investigar mais a fundo.
Foi aí que encontramos um quadro de obstrução nasal severa: desvio acentuado de septo, hipertrofia importante dos cornetos nasais e um teste alérgico fortemente positivo para ácaros. Ou seja, ele praticamente respirava pela boca desde sempre.
Esse é um detalhe crucial que, muitas vezes, passa despercebido.
A importância da respiração nasal
A respiração pelo nariz não é só uma preferência: é uma necessidade fisiológica. O nariz funciona como um verdadeiro “sistema de filtragem e climatização” do ar. Quando respiramos pelo nariz, o ar é:
- Filtrado: partículas de poeira, alérgenos e micro-organismos são retidos.
- Umidificado: o ar ganha a umidade ideal para proteger as vias respiratórias.
- Aquecido ou resfriado: o ar atinge a temperatura adequada para os pulmões.
Quando a respiração acontece predominantemente pela boca, o ar entra seco, frio e sem filtragem, deixando a garganta constantemente exposta e mais vulnerável a irritações e infecções.
Isso explica por que o paciente vivia em um ciclo de inflamação: a boca não foi feita para respirar.
O ciclo da dor: quando a causa real é ignorada
Esse tipo de caso é mais comum do que se imagina. Muitos pacientes passam anos tratando apenas as consequências, sem investigar a raiz do problema. Diagnósticos como “imunidade baixa” ou “refluxo crônico” são frequentemente atribuídos de forma precoce, sem uma avaliação completa da respiração nasal.
E mais: é importante lembrar que obstruções nasais severas também podem impactar a qualidade do sono, o que, por si só, pode comprometer o sistema imunológico e perpetuar as infecções.
O que aprendemos com esse caso?
Antes de concluir que você tem “imunidade fraca” ou que está condenado a viver com dor de garganta para sempre, é fundamental fazer uma avaliação completa:
✔️ Como está sua respiração nasal?
✔️ Há obstruções estruturais?
✔️ Há alergias associadas?
✔️ Você respira predominantemente pela boca?
Muitas vezes, a solução está onde ninguém pensou em procurar.
Esse paciente, após o diagnóstico correto, iniciou o tratamento das causas reais: controle da rinite alérgica, melhora da função nasal e, quando indicado, o tratamento cirúrgico para correção estrutural. O resultado? Uma garganta saudável e anos de qualidade de vida recuperados.
Conclusão
Dor de garganta recorrente merece atenção, merece investigação. Tratar apenas os sintomas pode prolongar o sofrimento e adiar a solução. Se você ou alguém que você conhece vive com a garganta sempre inflamada, talvez seja hora de olhar além do óbvio e respirar — de verdade — pelo caminho certo.
Referências:
- Karkos, P. D., et al. “Reflux and otolaryngology.” International Journal of Clinical Practice, 2007.
- Jefferson, Y. “Mouth breathing: Adverse effects on facial growth, health, academics, and behavior.” General Dentistry, 2010.
- Behlfelt, K., et al. “Respiratory disturbances in children with tonsillar hypertrophy.” Acta Oto-Laryngologica, 1990.